Desacelerar

As merecidas férias, e a qualidade de vida que poderíamos ter

Mês passado levei um tombo de criança. Fui direto pro chão, caí de lado e de joelhos. Estava na calçada do ponto de ônibus, tinha recém descido pra levar minha filha para a escola, e o sinal de pedestre estava verde. Não consegui descobri o que me fez cair, estava de tênis de corrida e tenho a impressão que “eles frearam” com firmeza. Só sei que foi um dominó: eu empurrei a mochila e logo atrás de mim caiu minha filha, quase no meio da rua. Uma velhinha saiu me xingando porque a tampa da garrafinha da criança tinha arranhado o pé dela. Levantei rápido feito criança que logo levanta quando cai, me sentindo toda quebrada e ainda consegui atravessar a rua no mesmo sinal verde.

Uma semana depois, joelhos e quadril ainda roxos, “casquinha” do machucado desaparecendo, o episódio só me fez lembrar que é preciso desacelerar. Logo quando estava para tirar férias e queria correr com aqueles tênis na praia! Pelo menos os joelhos me permitiram caminhar.

Menos é mais
Assisti recentemente ao documentário Minimalismo, disponível no Netflix. O filme mostra muitos exemplos, inclusive mulheres (o que parece quase impossível) e famílias com crianças que optaram por viver com menos. Pouco mesmo, aceitaram o desafio de ter no máximo 33 peças de roupas (incluindo roupas íntimas) para vestir. E confessam: tem menina que tem dificuldade de desapegar de alguns objetos, ama todas as bonecas que tem (por aqui é bem assim).

[p a r ê n t e s i s]
Só fiquei me questionando se essa tendência a reduzir o guarda-roupa não seria uma forma de descartar as roupas mais rápido. Fazer circular e não deixar nada inútil parecem ideias boas. Mas nada adianta fazer isso sem desacelerar o consumismo, sem tentar manter suas coisas (no sentido de manutenção) e não se deve esquecer de questionar de onde vem o que consumimos. Nesse ponto, outro documentário (também no Netflix) me impactou um pouco mais, o No Impact Man.

Talvez a gente não precise ser tão radical, nem abrir mão da biblioteca, como comentam os protagonistas dessa campanha, a dupla minimalista Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus. Não ser impulsivo em relação à moda é fácil, ainda mais com criança em casa – o investimento vai todo para os pequenos. Mas podemos fazer melhor com menos. Consumir menos – carregar menos embalagens, levar nossos potinhos para comprar a granel é o que quero lembrar de fazer sempre. E podemos ir além, na essência do minimalismo, pensar menos e respirar menos.

Escutei essa frase “respirar menos” em outro filme, O Yoga Mais Importante, que pode ser assistido no YouTube (existe uma versão com legendas deles que não encontrei agora, sorry). Me causou um espanto imediato, mas é isso mesmo. Estar consciente até da própria respiração. Respirar mais pausadamente, profundamente, com mais qualidade. O mesmo com nossa mente. Não quer dizer deixar de usar o intelecto – a gente que publica em blog está sempre pensando no próximo artigo…

O que podemos deixar de fazer para poder aproveitar mais?

Em 2016 li um artigo muito bacana no Piccolo Universe que refletia sobre esse tempo da criança e a pressa dos adultos. A gente precisa apressar o banho na criança depois da natação só porque queremos que almoce logo e não se atrase para a escola? Temos que amarrar seus tênis para sair de casa logo ou podemos dar a chance da criança tentar amarrar? Não podemos dar esses créditos aos pequenos?

Neste semestre fomos almoçar num restaurante cujo buffet era baixinho o suficiente para estar ao alcance da minha filha. Ela não só pediu pra pegar a bandeja como já começou a se servir. E pegou tudo direitinho (com equilíbrio montou seu prato equilibrado, escolheu bem e comeu bem, que orgulho dessa menina!). Contei pra ela dos alimentos que estavam uma prateleia acima, que ela não enxergava, e só precisei ajudar a se servir de um prato. Ela respondeu, com muita calma e com uma gratidão sincera que me surpreendeu, “Obrigada, mamãe, você sempre me ajuda em tudo”. A gente tem que permitir que eles tenham esse tempo e façam suas conquistas em seu tempo – assim como andar, falar, etc.

Caminhos
Às vezes um trajeto a pé não demora muito mais do que de carro. Não o suficiente para nos atrasar (muito). Poder escolher alguns momentos ou caminhos para andar com mais calma e sentir o tempo, sentir a distância, é uma experiência muito rica para se compartilhar com uma criança. Há muito o que se ver. E melhor se puder ser feito com tempo e respeitando o tempo da criança, que quer parar para observar uma flor ou levar uma folha ou ramo com ela.

Eu cheguei a consultar um professor de educação física se poderia andar 2km com uma criança de 4 anos, e ele confirmou que ela era totalmente capaz. Que a caminhada não substituiria o ganho de força dos exercícios físicos. E deu a dica de tornar aquele momento interessante, prazeroso, de brincadeira, porque se fosse uma obrigação que não fosse divertida poderia… traumatizá-la (não usou essa palavra, mas é isso, para o resto da vida). Além de ir brincando, eu deveria levar água e poderia levar um petisco, uma cenourinha pra comer no caminho.

Na volta da escola, muitas vezes, pelo menos para uma menina taurina e bom garfo, o lanchinho é o mais esperado. Temos vários trajetos a explorar e brincadeiras a fazer (como “pular as sombras dos postes”). Já fizemos uma ida completa à escola sem carrinho nem bicicleta (nem transporte público), com duas ou três paradas (mamãe precisou passar no banco, mas nem tinha banco pra guria sentar) e foi bem tranquilo.

[o u t r o  p a r ê n t e s i s]
Algumas vezes me sinto um ET andando a pé simplesmente ou indo (a algum destino, não brincando) com uma criança numa bicileta de equilíbrio. Mas me dá muito prazer poder respirar ar “puro”, sentir o vento bater e me mexer enquanto vejo aquela fila interminável de carros parados no trânsito no fim do dia. E cada vez mais vejo outras crianças acompanhando seus pais de bicicleta, skate, patinete. Mais carrinhos de bebê nos ônibus! Não somos os únicos.

Perda de tempo?
Me parece que a gente ganha tempo fazendo as coisas devagar. Incluir as caminhadas ou a bicicleta no dia-a-dia, fora da academia, é um caminho oposto ao da perda de tempo, ao meu ver. Há mais vida nesses instantes.

PS 1 – Este assunto foi tema da apresentação de final de ano da escola, sobre o tempo;
PS 2 – Como sempre, o tempo foi um dos grandes desafios a administrar em 2017, tanto que faltou tempo para escrever no blog… Que em 2018 não falte tempo – para todos!

 

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